sábado, agosto 20, 2005

Chocante!

Como podem estas coisas acontecer em pleno século XXI?


"Sem filhos por serem ciganas - Os médicos pressionaram-nas a ficarem estéreis e elas deram o «sim» em circunstâncias duvidosas. Agora, começaram a abrir os olhos: 76 mulheres desta etnia queixaram-se à justiça.

Contou até cinco e adormeceu. Assim que despertou do efeito da anestesia, Iveta Holubova, 28 anos, tinha umas dores terríveis e a barriga cheia de ligaduras. Continua sem saber ao certo o que aconteceu naquela sala de operações, há oito anos. Apenas sabe que foi pressionada pelo médico. «Tem de assinar os papéis!», dizia-lhe, em tom assertivo. Justificação? Não havia.

Iveta obedeceu à ordem. «Nem sequer parei para pensar.», lamenta, enquanto amachuca um papel, num claro sinal de ansiedade. Depois da cirurgia, vieram os vómitos e as suspeitas. «Foi só no terceiro dia que entendi o que me tinha acontecido.» Tinha sido esterilizada, no momento em que era suposto dar à luz uma menina.

A mãe perguntou-lhe quando iria ter outro bebé. «Acho que não vou ter filhos durante alguns anos. Enfermeira, como se chama esse anticoncepcional que me colocaram?», questionou Iveta. A resposta foi seca e cruel: «Não é um anticocepcional. Estás esterilizada.»

A jogada de antecipação revolta esta cigana da República Checa. «Nenhum médico me disse na altura que não ia ter mais filhos! Sou muito nova. Só tive dois filhos. Nunca teria permitido que me esterilizassem.»

O regime comunista esterilizou milhares de mulheres ciganas cuja descendência era indesejada. Só que a prática não terminou com a queda do Muro de Berlim. De acordo com várias organizações não governamentais (ONG) da República Checa, as trompas de centenas de romenas continuam a ser submetidas à laqueação depois de 1989. Muitos médicos pressionaram mulheres como Iveta a deixarem-se esterilizar e obtêm frequentemente a autorização em circunstâncias duvidosas.

A tragédia de Iveta aconteceu em 1997. Mas existem casos mais recentes, como o de Helena Ferencikova, 23 anos, esterilizada em 2001 e a primeira mulher nesta situação a quebrar o silêncio: em finais de 2004 resolveu levar o caso a tribunal. A sua coragem animou outras vítimas. Começaram por revelar as suas experiências, depois fundaram a organização Mulheres Prejudicadas com a Esterilização e a seguir receberam o apoio da ONG Life Together e de outras três associações que trabalham com a população cigana do país. Elas estão dispostas a ir mais longe. «Se não nos derem atenção, iremos ao tribunal de Estrasburgo», ameaça Helena.

Dos 12 milhões de checos, 300 mil são ciganos. Destes, 10% (isto é, 30 mil) concentram-se em Ostrava, a capital regional da Morávia do Norte, próximo dos Cárpatos e a 15 quilómetros da fronteira polaca. A cidade atrai as atenções por mais um motivo: do total de 76 mulheres ciganas que acabaram por denunciar à justiça a situação, 35 são de Ostrava.

A revolta feminina está a dar resultados. «De repente, começaram todas a queixar-se. Decidimos não fazer mais esterilizações durante ou imediatamente depois do parto, mas só passadas seis semanas e depois de termos falado tranquilamente com a mulher», diz o médico Richard Spousta, chefe de serviço de ginecologia do hospital Fifedjy, em Ostrava.

Iveta Holubova foi uma das ciganas que exigiu uma solução ao hospital Fifedjy, onde foi esterilizada. Aconselharam-na a fazer um tratamento de fertilização in vitro numa clínica privada. Em troca, o hospital compremtia-se a oferecer uma cama, para ela descansar depois do tratamento. E na pior das hipóteses - caso fosse incapaz de fecundar ou dar à luz - também teria consultas de psiquiatria gratuitas. Provavelmente Iveta precisará do apoio de especialistas: vai na sua terceira tentativa, depois de ter perdido dois fetos.

A ajuda dos médicos soa a arrependimento. «É como se tivessem remorsos», comenta Kumar Vishwanathan, porta-voz da ONG Life Together.

Mas há coisas que são difíceis de reparar. Sem querer, Helena Balogova comprou uma guerra conjugal. «Quando tudo isto aconteceu eu tinha 29 anos e o meu marido 19. E sempre tive medo que ele me trocasse por outra mais nova, que lhe pudesse dar filhos. Quando regressa a casa depois de beber uns copos com os amigos, a primeira coisa que faz é lembrar-me que sou estéril.»

Para Helena Gorolova, 36 anos, vizinha de Balogova, 44, no bairro de Privoz, a esterilização tinha uma boa desculpa. Encolhendo os joelhos, lembra que lhe fizeram uma cesariana porque o bebé tinha problemas com o cordão umbilical.

No dia seguinte, o médico garantiu que o bebé estava bem. Gorolova suspirou de alívio e deu um grito de alegria. Logo a seguir levou um murro no estômago. «Quando o médico me confessou que tinha sido esterilizada, dei outro grito, mas de terror. Ao meu marido disseram mais tarde que o tinham feito por motivos de saúde, já que se tratava da minha segunda cesariana.»

De facto, depois de duas cesarianas, existe o perigo de uma ruptura uterina. A diferença é que em outros países, a paciente tem opção de escolha depois de os médicos darem o alerta. Gorolova entende que não foi este o seu caso. «Este ano descobri que podia ter dito não. Podia-me ter recusado e não me tinha acontecido nada, apesar de ser cigana. Nós, ciganas, nunca soubemos aquilo a que tínhamos direito."

in Sábado, nº. 67, 12 a 18 de Agosto de 2005

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